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Poliamor:
Um olhar da situação atual no Brasil

 

     O conceito de relacionamentos poliamorosos tem vindo a ganhar visibilidade e a suscitar debates em diversas esferas sociais e jurídicas. Enquanto a monogamia tradicional é amplamente aceite e regulamentada pelo direito brasileiro, o poliamor, que pressupõe a capacidade de estabelecer vínculos afetivos e/ou sexuais com mais de uma pessoa simultaneamente, enfrenta ainda desafios e lacunas legais, embora seja uma realidade atualmente presente.


    O poliamor é uma prática que desafia os padrões convencionais dos relacionamentos monogâmicos; no entanto, a legislação brasileira está alicerçada na concepção monogâmica do casamento, conferindo direitos e deveres apenas a casais constituídos por duas pessoas. Como resultado, aqueles envolvidos em relacionamentos poliamorosos frequentemente encontram-se desprovidos de proteção legal, enfrentando obstáculos em questões como herança, partilha de bens, guarda de filhos, entre outras.
 

    Atualmente, o casamento é regulado pelo Código Civil brasileiro, que estabelece a união entre um homem e uma mulher como base, estando esta fundada na vontade expressa do casal, confirmada por uma entidade estatal, de estabelecerem vínculo conjugal.
 

    Embora o Brasil reconheça o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o reconhecimento legal do poliamor ainda é um desafio. A legislação brasileira não contempla o casamento ou a união estável envolvendo mais de uma pessoa, o que coloca os relacionamentos poliamorosos numa situação legal ambígua e, na verdade, impossível, perante os conceitos estabelecidos tanto na Constituição Federal como no Código Civil.
 

    Contudo, é relevante notar que a Constituição Federal brasileira reconhece a união estável como uma entidade familiar, garantindo direitos e proteções para casais que vivem juntos sem serem formalmente casados. Neste contexto, poder-se-ia argumentar que os relacionamentos poliamorosos também podem ser considerados uniões estáveis, desde que cumpram os requisitos legais de convivência pública, contínua e com o intuito de constituir uma família.
 

    Este reconhecimento deve ser alcançado tendo como base os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito individual à busca da felicidade, ambos consagrados na Constituição Federal, cujo reconhecimento pode advir através de procedimentos judiciais; sem contudo nenhuma garantia legal.
 

    Nesses casos, para que aconteça o reconhecimento, é necessário que o magistrado tenha uma compreensão mais abrangente do conceito de família, com os respetivos direitos a serem protegidos, especialmente porque, desde 2018, o Conselho Nacional de Justiça proibiu os Cartórios de registrarem uniões estáveis poliamorosas.
 

    Outra questão de relevo que afeta os relacionamentos poliamorosos diz respeito à guarda dos filhos e à pensão alimentícia. Em geral, a legislação brasileira reconhece o direito dos pais de compartilhar a guarda dos filhos em caso de separação, sempre priorizando o melhor interesse das crianças. No entanto, quando mais de duas pessoas estão envolvidas num relacionamento poliamoroso e filhos são concebidos nesse contexto, a situação torna-se mais complexa.
 

    Atualmente, a legislação não prevê de forma clara como a guarda dos filhos deve ser estabelecida em relacionamentos poliamorosos, nem como a determinação da pensão alimentícia deve ser realizada em caso de dissolução do relacionamento. Esta falta de regulamentação específica pode levar a litígios legais e a decisões judiciais contraditórias, deixando os envolvidos num estado de incerteza jurídica.
 

    O reconhecimento legal do poliamor no Brasil ainda está num estágio embrionário, mas é possível observar avanços na discussão do tema. O alargamento dos direitos individuais e o crescente interesse pela diversidade afetiva e familiar têm fomentado debates e reflexões sobre o reconhecimento jurídico dos relacionamentos poliamorosos.
 

    Muitos têm lutado pela inclusão do poliamor no sistema legal do país, tendo inclusive sido citado no Estatuto das Famílias em tramitação no Congresso Nacional; contudo, a mudança legislativa é um processo complexo e demorado, envolvendo debates na esfera política e a conscientização da sociedade como um todo.
 

    É importante recordar que, embora a poligamia já tenha sido a norma entre os seres humanos, sido até mesmo mencionada no Velho Testamento na figura de Jacó, que teve duas esposas e doze filhos, e sendo relativamente comum em algumas sociedades islâmicas, como no caso do profeta Maomé, que teve mais de doze esposas, o poliamor ainda enfrenta desafios consideráveis perante o direito brasileiro. A legislação atualmente em vigor não reconhece nem protege devidamente os relacionamentos poliamorosos, deixando os envolvidos vulneráveis a questões legais e desprovidos de direitos e proteções.
 

    Para que ocorra uma mudança efetiva, é necessário promover um amplo debate social, político e jurídico sobre o poliamor e a sua relação com o direito brasileiro, sendo fundamental reconhecer e valorizar a diversidade de formas de relacionamento e assegurar que todas as configurações familiares desfrutem de igualdade de direitos e proteção legal.
 

    É indispensável que as pessoas envolvidas em relacionamentos poliamorosos busquem conhecer os seus direitos, consultem profissionais especializados e participem ativamente do debate público em prol do reconhecimento e inclusão das suas vivências no ordenamento jurídico brasileiro; somente desta forma poderemos progredir em direção a uma sociedade mais inclusiva e respeitosa para com todas as formas de amor e relacionamento.
 

    Cumpre esclarecer que o presente artigo fora redigido em 22.08.2023, e em 28.08.2023, foi proferida decisão do Juízo da 2ª Vara de Família da Comarca de Novo Hamburgo, - RS, não só reconhecendo união estável poliafetiva entre um homem e duas mulheres, como concedeu após o nascimento do filho que uma delas espera, conste da Certidão de Nascimento o nome dos teus como os pais.
 

    Embora tal fato não seja Lei, inegável que irá repercutir em questões similares, e nortear novas orientações. Mais uma vez o direito se adequa aos fatos e demandas da sociedade moderna.
 


Naim Demétrio Bittar

*Advogado,Especialista em Direito das Famílias e Sucessões

Membro do IBDFam e Comissões Temáticas da OAB - DF

​Contato:

+55 (61) 99647-4765

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©2023 por Naim Bittar Advogados

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