
Testamento Vital:
Preservação de Autonomia e de Vontade
O Testamento Vital, também conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade ou Testamento Biológico, é uma ferramenta jurídica que permite que um indivíduo expresse suas preferências e vontades em relação aos cuidados médicos que deseja receber ou recusar em situações de incapacidade de expressar-se por si próprio.
Essa importante medida é relevante para garantir a autonomia e a dignidade das pessoas, especialmente quando se deparam com doenças terminais ou estados vegetativos irreversíveis.
No Brasil, o Testamento Vital é um tema recente, mas vem ganhando destaque e reconhecimento no âmbito jurídico e ético.
O Testamento Vital baseia-se nos princípios da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana. O princípio da autonomia da vontade assegura que cada indivíduo tem o direito de fazer escolhas sobre sua própria vida e saúde, enquanto o princípio da dignidade da pessoa humana busca garantir que a pessoa seja tratada com respeito e tenha sua autonomia preservada, mesmo quando incapaz de expressar suas preferências de forma consciente.
Com o avanço da medicina, pesquisas, e tratamentos experimentais, os esforços para preservar a vida, por vezes afronta a dignidade humana do paciente, incapaz de expressar sua vontade de forma livre e autônoma. Assim, o testamento vital consiste num instrumento onde o paciente declara o seu desejo, acerca de forma e tipo de tratamento que deseja receber ou não, para a manutenção da própria vida.
No Brasil, o Testamento Vital ainda não possui uma legislação específica que regulamente seu funcionamento e reconhecimento em âmbito nacional. Entretanto, ele é amparado por diversos instrumentos jurídicos e éticos. O principal documento que sustenta o Testamento Vital é a Constituição Federal de 1988, que consagra a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.
Além disso, a Resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM) dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade e define diretrizes para os médicos no tratamento de pacientes em estados terminais, que embora não seja Lei, tem força de lei perante a classe médica, assim como as demais resoluções do Conselho.
Essa resolução reconhece a validade do Testamento Vital desde que obedecidos alguns requisitos, como a manifestação de vontade livre e consciente, a seriedade do diagnóstico e o prognóstico irreversível.
Para elaborar um Testamento Vital no Brasil, é necessário seguir algumas etapas importantes. Em primeiro lugar, o indivíduo deve estar lúcido e plenamente capaz no momento da manifestação de suas vontades, evitando assim possíveis questionamentos futuros sobre a validade do documento. Em seguida, é recomendável que o Testamento Vital seja redigido de forma escrita, datada e assinada na presença de duas testemunhas, conforme previsto na Resolução do CFM.
O conteúdo do Testamento Vital deve ser claro, objetivo e contemplar as decisões do indivíduo em relação aos tratamentos médicos que deseja ou não receber em situações específicas. É possível expressar preferências quanto a tratamentos paliativos, uso de medidas de suporte de vida, realização de procedimentos cirúrgicos, entre outros aspectos relacionados aos cuidados médicos.
Como é impossível prever todos os possíveis tratamentos e recursos disponíveis no futuro, e também os fatos que lhe podem acometer, o testador pode ainda designar um representante para tal fim; e as informações prestadas por esse serão levadas em consideração pelo médico.
Apesar de o Testamento Vital não ter um respaldo legislativo específico, a Resolução do CFM estabelece que os médicos devem respeitar as diretivas antecipadas de vontade manifestadas pelo paciente, desde que estejam em conformidade com os preceitos éticos e a legislação vigente.
Contudo, vale ressaltar que a aplicação das diretivas antecipadas de vontade pode gerar debates e controvérsias, especialmente quando há divergências entre os familiares, os médicos e a equipe de saúde. Nesses casos, as vontades antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
Por fim, resta claro, que o Testamento Vital é uma importante ferramenta para garantir que a vontade e a autonomia da pessoa sejam respeitadas mesmo em momentos de incapacidade, e embora não haja uma legislação específica sobre o assunto no Brasil, a Resolução do CFM é um importante marco que reconhece a validade dessas diretivas e orienta os médicos sobre seu cumprimento.
A discussão e regulamentação sobre o Testamento Vital é imprescindível para oferecer maior segurança jurídica, ética e respeito aos direitos dos indivíduos, cabendo a sociedade brasileira se engajar no debate sobre o tema, buscando encontrar soluções que preservem a dignidade e a vontade de cada pessoa, mesmo nas situações mais difíceis da vida.
Naim Demétrio Bittar
*Advogado,Especialista em Direito das Famílias e Sucessões
Membro do IBDFam e Comissões Temáticas da OAB - DF